4 lições deixadas por nosso maestro André Matos!

1-SER UM PRODÍGIO NÃO BASTA


Pode soar estranho considerar Andre um ídolo se a diferença de idade é de dois anos e meio – ele tinha 47, e eu estou com 45 –, mas encontra justificativa quando um moleque de 13 anos de idade, apaixonado por música, virou fã de uma banda que tinha um vocalista de 15 anos. Andre tinha 13 quando começou com o Viper, e dois anos depois estava tocando no Rio de Janeiro – no Teatro Ipanema e no saudoso Caverna II, em Botafogo – na turnê nacional do álbum “Soldiers of Sunrise” (1987). E eu estava na plateia vendo um garoto vivendo o sonho de um sem-número de outros garotos. Andre era um prodígio e talvez não soubesse disso até então, mas entendia que apenas aquilo não bastava. Durante a turnê do segundo disco do Viper, o seminal “Theatre of Fate” (1989), ele trocou os palcos pelas salas de aula: graduou-se bacharel em Composição Musical e Regência Orquestral. Maestro, Andre ainda acrescentou mais duas formações ao currículo: canto lírico e piano erudito. 





2-ACREDITE NO SEU TRABALHO (MESMO QUE O IRON MAIDEN APAREÇA NO CAMINHO)


Era músico e artista, mas a pessoa física não ficava atrás. De volta à cena no início dos anos 90, à frente do Angra, Andre viu seu nome nas manchetes estrangeiras como um dos candidatos à vaga deixada por Bruce Dickinson no Iron Maiden. Não foi o escolhido por Steve Harris, o que o fez dizer, algum tempo depois, que não sabia se trocaria o início do trabalho como Angra pelo posto de vocalista de uma das maiores bandas da história do heavy metal. Desdém? Não. O assunto surgiu em off numa das vezes em que estive com Andre, e a resposta dele foi igualmente sincera: “Àquela altura, entrar no Iron Maiden poderia ter arruinado a minha carreira, enquanto eu sabia que estava fazendo algo especial com o Angra”.

 A história mostra que ele tinha razão: o Iron Maiden viveu sua pior fase comercial com Blaze Bayley nos vocais, culminando com a volta de Dickinson alguns anos depois, e o Angra foi um enorme sucesso. O álbum de estreia, “Angels Cry” (1993), é um dos melhores trabalhos do estilo, e “Carry on”, composição do vocalista, virou um dos hinos do metal nacional. A racionalidade do Andre era fruto de uma inteligência acima da média, mas estamos falando de visão artística. Havia o ser humano por trás. Aquele que era engajado, por exemplo, com o problema de animais de rua (ele tinha o hábito de adotar cães e gatos); e que tratava a todos, de fãs a jornalistas, sem distinção, sempre com atenção e educação exemplares.



RECONHEÇA QUEM O COLOCOU NO TOPO: O FÃ


E é aqui, numa história pessoal, que aparece outra face do legado deixado por Andre Matos, para além da riquíssima obra musical. Em 2005, eu era editor de uma revista de heavy metal e coloquei o Shaman na capa do número 4, pois a banda havia acabado de lançar seu segundo álbum, “Reason”, e dois meses antes eu tinha feito uma longa entrevista não apenas com toda a banda. No dia do show de lançamento, no Metropolitan, recebi uma ligação do Andre, me convidando para um evento fechado e informal à tarde. Eu receberia o CD, mas aproveitei para levar uma cópia da revista para cada, além de uma extra para os quatro (Andre, Luis e Hugo Mariutti e Ricardo Confessori) autografarem o pôster-caricatura feito pelo Mario Alberto, um grande amigo. Quando viu o desenho, Andre quis saber se o Mario iria ao show, mas respondi que não – sua esposa estava na reta final de gravidez, então não havia como deixá-la sozinha em casa, e seria desconfortável para ela ficar horas em pé na pista (que estava lotada).



3.Era impossível não gostar dele.
Andre pediu um minuto, foi falar com a assessora da gravadora Deck Disc e voltou dizendo: “Daniel, você pode ligar para o Mario? Pode dizer que ele e a esposa são nossos convidados e vão ficar no camarote, pois gostaria de conhecê-lo”. Dito e feito. Fim do show, fomos todos para o backstage, Andre autografou o pôster, tirou fotos com o Mario e agradeceu pela homenagem. “Ele era um cara muito educado, atencioso, gentil e apaixonado pelo que fazia. Era impossível não gostar dele”, disse Mario ao relembrarmos a história de 14 anos atrás. E foi exatamente este Andre que encontrei pela última vez exatamente três anos atrás, no dia 10 de junho de 2016, quando ele realizou uma Masterclass no Rio de Janeiro. Somente depois que ele recebeu todos os fãs presentes, para fotos e/ou autógrafos, fui entrevistá-lo para a Roadie Crew. Ficamos quase duas horas conversando, e apenas 40 minutos foram destinados à matéria para a revista.

4- FAÇA DO TRABALHO UM PRAZER PARA TODOS

O restante? Um bate-papo que começou com ele dizendo que estava feliz por eu ter voltado a escrever sobre música (fiquei anos afastado com o fim da revista que editava, em 2005); e terminou comigo brincando que mais uma vez estava perdendo a chance de ter todos os meus CDs autografados por ele, pois tenho apenas o “Angels Cry” com uma dedicatória feita por ele em 1993. Andre respondeu: “Não se preocupe com isso. É só trazer na próxima vez que eu assino o que você quiser. Será um prazer”. Não houve próxima vez. Nunca me preocupei tanto com isso porque Andre – nada de sobrenome, como manda a regra jornalística – sempre esteve ali, ao alcance de qualquer um que o admirasse. Gente como a gente.

Não éramos amigos, mas tratávamos um ao outro como amigo quando nos encontrávamos. E é esse tipo de relação que traz identificação, aproxima o ídolo do fã e, principalmente, gera confiança. Andre Matos inspirava o fã a olhar para ele com orgulho de tê-lo como referência; e inspirava o jornalista a ser como ele, cordial mesmo na hora de fazer perguntas mais fortes. Deveria ser sempre assim, não? Mas Andre tinha a sensibilidade até mesmo de saber em quem confiar histórias em off, e pude agradecer a ele também por isso. Por tudo isso, o vazio não é não somente no heavy metal e na música em geral. Perdemos todos um músico/artista extraordinário e, principalmente, um exemplo a ser seguido.

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